sexta-feira, 25 de maio de 2012

Perfeição



Inglaterra, 1862. 

  O inverno estava próximo, a noite estava escura e eu estava prestes a me casar. 
  Meu longo e rodado vestido de noiva era negro como a noite e suas fitas negras conseguiam ser brilhantes como a lua cheia daquele céu sem estrelas.
  Eu estava em uma carruagem revestida por camurça preta em seu interior e seus acentos confortáveis eram feitos de veludo preto. Me distraí comparando o brilho dele com o das fitas do meu vestido quando a carruagem parou repentinamente. Abri a porta com maçanetas douradas e vi uma enorme catedral que seria belíssima, não fosse a assustadora escuridão da noite que a acobertava e o reflexo da luz da lua em todas aquelas janelas e mosaicos. 
  Olhei para trás e vi que a carruagem era puxada por dois belos e fortes cavalos de pelo negro e crina sedosa. Não avistei nenhum cocheiro por perto.
  Entrei na catedral que parecia ainda maior por dentro. Estava quase mais escura do que a rua lá fora já que eram poucas velas para um ambiente tão grande e praticamente vazia, a não ser pela presença do padre, do meu noivo e de 3 ou 4 beatas que se sentavam afastadas umas das outras nas primeiras filas de cadeiras usando véus pretos como se estivessem de luto. 
  Iniciou-se uma marcha nupcial muito mal tocada e eu fixei-me nos longos tubos do órgão sem perceber se havia ou não alguém o tocando. Fui me aproximando do altar e podia ouvir as mulheres chorando e soluçando baixinho, com suas cabeças baixas e cada uma com seu terço. Aquilo me deixou um pouco aflita, mas eu continuei o meu percurso até me posicionar ao lado do meu noivo, que não era muito mais alto que eu. Tentei olhar o seu rosto, mas não conseguia ver nada além de uma profunda escuridão. Olhei para o padre e ele estava com a cabeça baixa, sua boca se movia, mas eu não consegui ouvir nenhum som. Me aproximei e ainda assim não ouvi nem mesmo um sussurro.
  Não me lembro de ter dito o esperado "sim" ou mesmo ter ouvido alguma coisa além do choro daquelas mulheres, só me lembro que, ao fim da cerimônia, eu e meu marido saímos da catedral. E eu não joguei o buquê. Uma mulher me parou no caminho e ficou me analisando calmamente, com uma feição amistosa, por alguns minutos, até que por fim ela falou:
  - Ah, você é tão linda. Vai ficar tão perfeita depois que tudo acabar! Você é a pessoa certa. Vai ficar tão bonita...
  Apesar da sua voz ser amigável e suave, por algum motivo eu senti algo estranho enquanto ouvia seus elogios. Quando ela estava prestes a tocar o meu rosto o meu marido me encaminhou pelo ombro até a carruagem que nos aguardava na frente da igreja, exatamente onde eu a tinha deixado.
  Entrei primeiro na carruagem e acomodei. Enquanto ele subia, eu tentei novamente ver o seu rosto, mas nada transparecia daquela escuridão, o que me causou um certo desconforto. Estávamos indo para um hotel passar a nossa noite de núpcias e eu não sabia quem me acompanhava... Não sabia quem era a pessoa que tinha acabado de se casar comigo...
  Tentei não pensar nisso durante o percurso e muito menos olhar diretamente para ele. Prestei atenção novamente no interior da carruagem e nos solavancos que aconteciam de tempos em tempos por conta dos buracos e das irregularidades do caminho. Ninguém pronunciou uma palavra sequer.

CONTINUA.

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