terça-feira, 1 de outubro de 2013

Sabe que eu não pensei em nenhum título? Pois é...


Eu estava em um deserto escaldante. O calor insuportável me derretia os medos, as dúvidas e os receios. Eu devia continuar caminhando, devia encontrar um oásis o quanto antes. Minha caminhada era longa e solitária. Não havia descanso, não havia sombra, não havia nada além do calor e das infinitas dunas de areia.

O afeto era calor, o abraço era calor, e eu já sentia calor demais. Não queria nada que me aquecesse, já bastava o sol e eu mesma. Não queria ninguém, queria apenas um lugar com sombra e água fresca.

Eu caminhei durante anos por aquele deserto, observei dunas e mais dunas de areia se estendendo por todo o meu campo de visão. O único horizonte que eu conheci durante todo aquele tempo não me traria nada além da mesma paisagem seca e morta que me cercara.

A caminhada já tinha se tornado mecânica, o que eu olhava não via, o calor já fazia parte da minha condição natural. Eu perdi a noção do tempo, eu perdi os sentidos, eu já não sabia mais onde estava, quando um floco de neve tocou o meu nariz.

Olhei ao redor e o manto de areia tão familiar, agora era de um branco tão alvo quanto gélido. O calor havia se transformado em frio e a areia, em neve.

Eu estava em um deserto gélido. O frio insuportável me congelava as esperanças, os sonhos e o coração. Eu devia continuar caminhando, devia encontrar alguém o quanto antes. Minha caminhada tão longa e solitária deveria finalmente chegar ao fim, chegar a alguém. Eu precisava descansar, ser confortada, me aquecer longe de tanta neve.

Eu precisava do calor que só o afeto e o abraço poderiam me proporcionar, porque eu já sentia frio demais. Eu só queria alguma coisa que me aquecesse, já não bastava uma fogueira ou eu mesma. Eu só queria encontrar alguém, podia ser em qualquer lugar, contanto que houvesse amor.

Desistir me passou pela cabeça. Entregar o meu corpo ao lento congelamento e lacrá-lo longe do amor para sempre. Por que era tão difícil encontrar o equilíbrio? Me fiz essa pergunta incontáveis vezes, sem saber o equilíbrio estava dentro de mim, bem escondido. Subutilizado.


Então você apareceu. Não foi num cavalo branco e com uma espada na mão. Foi com um sorriso sincero num momento difícil. Não derrotou nenhum dragão feroz. Derrotou a minha descrença no amor verdadeiro. Não me resgatou do alto de uma torre isolada. Me resgatou das muralhas invisíveis que eu construí ao meu redor para me manter isolada. Você não tinha nenhuma coroa, nenhum reino e nenhum título nobre. Você tinha muito mais. Você tinha pureza, nobreza e um coração enorme. 

Você é meu príncipe, porque me encantou.

sábado, 17 de agosto de 2013

Embriagados de Amor


Todos os dias, desde aquele dia, tomo um gole do seu amor. Isso é suficiente para me tirar do meu normal, para me tirar do meu mau humor, para me tirar desse mundo.

Eu me deixo afogar numa taça dessa bebida quente. Eu me embebedo com seus beijos. Não me importo se pareço ridícula quando não consigo pronunciar uma palavra sequer que não seja o seu nome. 

Degustamos nossas taças no escuro. O mundo inteiro para e nós continuamos girando entre os lençóis, bebadamente sincronizados, sem nenhuma linha reta para nos julgar.  

Tudo o mais é desimportante, desinteressante, se estamos sós. Não existem outros, não existem cômodos, não há mais nada além de dois corpos embriagados ocupando o mesmo lugar no espaço.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Conectando Letras


Às vezes eu me perco nos meus pensamentos. De verdade. Não me encontro em nada ali, vejo tudo menos eu mesma. Eu substituo o que é importante pelo que realmente importa. Eu me afogo silenciosamente nas lágrimas que nunca viram a luz do dia. As lágrimas substituídas pelo que realmente importa, esquecidas ou escondidas na bagunça dos meus pensamentos. Vez ou outra elas encontram as letras desconexas de um teclado num quarto escuro. Mas ninguém vê. Nem eu mesma. 

Ultimamente eu não sinto quando toco as coisas, quando toco o chão, ou agora mesmo, quando toco as letras desconexas de uma teclado num quarto escuro. É triste. E não quero ligar a luz e ver a bagunça ao meu redor. É melhor assim, que ninguém veja. Será que alguém vê?

Tenho me saído bem nisso de esconder sentimentos, mas não me orgulho. Todos fazem isso, não é? Não se orgulhem. É triste. Se tiverem a oportunidade de revelar o peso que suportam em sua alma, o façam. 

Quanto à mim? Eu me encolho em mim mesma, mesmo sabendo que preciso de alguém. Na verdade preciso de um resgate, preciso que alguém me salve de noites solitárias. Meus soluços são como gritos de socorro dentre os lençóis. A noite é longa demais para mim, a madrugada parece simplesmente não ter fim. E ninguém aparece. Ninguém parece se importar. Porque ninguém substitui o que é importante pelo que realmente importa. Eu deveria fazer isso. Mas já gastei todas as minhas forças aqui, conectando letras. 

domingo, 26 de maio de 2013

O Peso do Medo




Acordou às 4 da manhã, como de costume, e decidiu esperar até o seu despertador tocar, como de costume. Ficou esperando no escuro até ouvir os irritantes “bips” vindos de cima do seu criado-mudo. Uma calma a invadiu tão rapidamente que, por um segundo, ela pensou ter sido atingida por um dardo tranquilizante. Agora se sentia segura para levantar da cama e seguir com a sua rotina normal, como se nada tivesse acontecido naquela noite.

Enquanto tomava banho sentia os olhos arderem e lacrimejarem com a água e o sabão que escorriam, mas se recusava a fechá-los. Escovou os dentes em frente a um espelho totalmente coberto por jornal. Durante o café da manhã, a colher é que passava a manteiga em suas torradas desde que as facas e garfos tinham sido aposentados. Destrancou as quatro trancas de sua porta e saiu de casa, trancando-a novamente. Dispensou o elevador e desceu oito andares pela escada. Antes de entrar no seu carro abriu as portas e, em seguida, os vidros; só então entrou e fechou as portas, mantendo as janelas abertas. Olhou para o terço pendurado no seu retrovisor – que também estava coberto por jornal, como o espelho do banheiro – e o encarou por alguns segundos enquanto ele balançava levemente, por conta do movimento que sofreu quando ela entrou no carro. Olhou para traz e deu ré seguindo para o trabalho.

Mais um dia comum no trabalho, nada orgulhosa de ser apenas “a garota da Xerox”, invisível e sem graça. No almoço não sentia fome, tomou aquele café horrível de uma máquina do escritório e pensou se um copo de 200 ml seria suficiente para mantê-la acordada uma noite inteira. Tomou três. Engolia o líquido como se fosse um remédio ruim que precisasse tomar caso quisesse melhorar de sua doença. Os médicos já haviam perdido as esperanças. Ela também.

Na volta para casa foi multada por passar num sinal vermelho e por ter os retrovisores cobertos por jornal. O sinal vermelho foi apenas um descuido, mas ela não pretendia mudar a realidade dos espelhos que estivessem ao seu alcance. Chegou a casa depois do que pareceu uma eternidade e, depois que conferiu todos os cômodos e trancas, como sempre, tomou um banho demorado, até o ponto que seus olhos não aguentavam mais o ardor. Vestiu uma camisa velha, calcinha e meias e foi sentar-se no sofá da sala. Ficou lá durante mais de uma hora, sem fazer nada além de olhar fixamente para o lugar na estante que um dia abrigou uma TV.

Ouviu algum ruído vindo da cozinha e instantaneamente virou e olhou para a entrada do cômodo, os olhos vermelhos e arregalados. Passou-se um tempo e como mais nada aconteceu ela se permitiu piscar. Durante o milésimo de segundo que levou com os olhos fechados, pôde sentir que estavam lá. Abriu os olhos. Olhou ao redor. Seu coração batia tão alto que ecoava em seus ouvidos deixando-a com uma forte dor de cabeça. Não havia nada lá. Ao menos nada que ela pudesse ver. Pesadamente esticou o braço, encaixou de volta o fio do telefone e o colocou no ouvido lentamente. Ouviu o sinal da linha e, aliviada, discou o número do telefone de sua irmã. Quando ouviu a voz dela não conseguiu controlar a sua própria, gaguejando pediu que ela viesse encontrá-la em sua casa, era urgente.

Meia hora se passou e, no meio do silêncio perturbador, ouviram-se as batidas na porta.  Ela levantou lentamente, como se aqueles movimentos fossem os piores sacrifícios que já teve que fazer. Ela não se importava mais em fazer sacrifícios, estava complemente disposta a fazer o que fosse preciso para que tudo aquilo parasse de uma vez.

As perguntas de sempre “O quê aconteceu com a sua campainha? O quê aconteceu com você? Ah, meu Deus, você está doente? Está pálida, tem se alimentado?”. Ela não respondeu nada, simplesmente rastejou de volta para o sofá e sentou na mesma posição de antes, abraçando os joelhos e olhando fixamente para o nada. Sua irmã se apressou a entrar e fechar a porta, ficando espantada com a quantidade de trancas na porta. Sentou do lado da sua irmã mais nova, que parecia gravemente adoentada, colocou a mão em sua testa e a retirou num susto. Não estava quente como o esperado, mas fria. Fria demais. Insistia em perguntar o que acontecera. Perguntou se a casa havia sido assaltada e era esse o motivo das trancas, mas ela mantinha um silêncio impenetrável. Quase desistindo de tentar descobrir se alguma coisa tinha acontecido, ela percebeu o olhar fixo de sua irmã no vão da sua estante. Estava prestes a perguntar onde estava a TV, quando percebeu que a madeira estava curvada para baixo, como se o peso da TV permanecesse mesmo depois da sua ausência.

Perturbada com aquilo, ela pegou sua irmã mais nova pelo braço e a levou para o quarto e, por um instante, pensou ter ouvido o ranger da madeira da estante. A garota continuava agindo estranhamente quieta e se movimentava como uma boneca sendo guiada pelas mãos da irmã. Depois de colocá-la na cama deitou ao seu lado e cobriu as duas com o mesmo cobertor. Abraçou seu corpo frio esperando que o contado pudesse aquecê-la. Enquanto a irmã mais velha dormia, a irmã mais nova sentia medo. Sentia sombras. Sentia sopros. Sentia frio. Não aguentava mais sentir em silêncio e gritou. Seu gritou cortou a noite escura, interrompeu o sono dos vizinhos e assustou a sua irmã, que dormia ao seu lado. Nada a acalmava então sua irmã mais velha a colocou sob a água quente do chuveiro e a abraçou, sem se importar com as roupas de ambas. Aos poucos os gritos deram lugar ao choro e as duas choraram juntas, as lágrimas se misturando com a água do chuveiro.

Os pedidos de ajuda da irmã mais nova eram baixos e desesperados. Ela dizia que havia alguma coisa de errado na casa. Alguma coisa. Alguma coisa. Alguma coisa, ela repetia sem parar. A respiração ofegante foi desacelerando, mas o desespero da voz só aumentava.

Ela foi desprendendo-se do abraço lentamente e não controlava seu corpo que se dirigia ao chão por força maior que a da gravidade. Me ajude. Me ajude. Me ajude, ela repetia. Seu corpo pesava e formigava e ela não tinha controle sobre nada a não ser suas palavras de súplica. Sua irmã tentava segurá-la firme e impedir sua eminente queda, mas era impossível, ela estava muito pesada, como se carregasse algo muito pesado em suas costas. Caíram as duas no chão molhado, chorando e se abraçando, até que a irmã mais nova inspirou com força, como se tivesse prendido a respiração até aquele momento e agora chegava ao seu limite, tossindo em seguida. Assim que ela estabilizou sua respiração as duas se secaram, se trocaram e voltaram para a cama, permanecendo abraçadas até adormecerem. E até acordarem no meio da noite. Levantaram, deram as mãos, saíram de casa, subiram até o terraço, se atiraram para o chão.

domingo, 19 de maio de 2013

Fadados ao Cinza


Essa é a minha dedicatória.

Dedico a todos vocês que nasceram, que sobrevivem e que acordam todos dias nesse mundo cinza. Dedico também a vocês que permitiram que o cinza se infiltrasse em suas almas. Não esquecendo de vocês que se acostumaram o com o cinza, ou que até mesmo simpatizam com ele. Todos aqueles que se sujeitaram ao cinza, que gradativamente se tornam seres cinzas. Todos que agradecem pelo dia cinza, pelo salário cinza, ao vizinho cinza, à garçonete cinza. Aos que recebem presente cinza e presenteiam cinzamente. Todos vocês que sorriem cinza, que cumprimentam cinza. Ainda tem os que reclamam do cinza, mas vivem por ele e os que cultuam o cinza e querem que todos sejam cinza como eles. Principalmente vocês, que ensinam às crianças a serem cinzas o tempo todo. Os que têm relógios cinza, carros cinzas, casas cinzas. Vocês que fingem cinza. Que trocam olhares cinzas. Que comem a comida cinza daquele restaurante chique e cinza.

À toda sociedade cinza... Eu dedico todas as minha cores.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Contagem Progressiva

Olá seus menino e suas menina!

Sentiram a minha falta? Não, eu ainda não faleci. Devido a uma série de problemas aliados à minha falta de saco e um maravilhoso fim de semestre, cheio de assuntos acumulados, eu acabei protelando absurdamente e deixando o blog de lado. Me desculpem pela longa espera sem explicações e blá blá blá. Agora peguem seus cronômetros e... 1... 2... 3... Eu declaro a reativação do Contagem Progressiva! *clap, clap, calp*


(Aleluia)

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Dois Em Um


"Fiz da sua aflição a minha.
Tomei sua dor e senti.
Carreguei o peso da sua angústia.
Sorri a graça da sua felicidade.
Trouxe tudo que era teu, para mim.
Tudo que houvera de bom e ruim.
Me tornei então o que pode-se ver,
dois em um, um em você."

(Osvaldo Guimarães)


Esse poema é de um amigo meu e eu adorei, postei porque acho que vocês também vão gostar e porque eu queria guardá-lo. É isso, espero que gostem.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O Que Eu Quero


Às vezes dá vontade de me fundir a alegria, fazer parte de tudo que há de melhor e me esquecer por lá. Esquecer que um dia houve tristeza, esquecer que um dia houve esquecimento. Viver tudo de uma vez, controlar o tempo e nunca mais esperar. Tocar tudo com a ponta dos dedos e não segurar nada. Ser livre de tudo que exige mais que 1% do que eu deveria doar de mim. Sentir tudo em dobro, ouvir tudo fracionado. Queria ser dona do que sinto e matar o fingimento. Conhecer todas as cores, todos os números, todos os símbolos, todas as coisas. Pensar todos os pensamentos, rir todas as risadas.

Vou me abraçar, me consolar, me ninar e me adormecer até sonhar com o que a realidade deveria ser.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Eternamente


Sou aventureira. Meu canto é o mundo. Sou fiel escudeira do vento e sua mutabilidade. Meu canto é liberdade. Meu amor é realidade. Minha realidade é fantasia. Minha fantasia é invisibilidade.

Sou canção surda. Sou visita distante. Sou agora em antiguidade. Sou passo silencioso sobre folhas de outono. Porque sou o despertar das estações. Sou disfarce de emoções. Viagem entre dimensões.

Sou a vida de quem sonha. Sou as fases, os planos e as canções. Meu sopro é sentimento. Minha dor é à prova de lágrimas. Meu saber é pouco. Meu tudo é pouco.

Sou infinito e bagunça. Sou o desabrochar de algo novo. Sou tudo de novo. Sou a expectativa do amanhecer. Sou o crescer da derrota e o sabor da vitória.

Sou de longe o que deveria ser. Sou de perto o que preciso ser. Sou ser e sentir. Meu sorriso é mensageiro. Meu olhar é calmaria. Minha raiva é o éter. E o meu gosto é impossível.

Sou a lentidão de um segundo. Sou a amargura do mel. Sou desastre no vácuo. Sou inexistente. Sou indiferente. Sou imprecisão.

Sou questão. Sou cifras. Sou perfume. Meu cobertor é relva. Meu pensamento é cina. Minha luz é relâmpago. Minha certeza é fraca. Meu devagar tem alcance. Meu toque é por acaso. Minha janela é para o universo. Meu jardim é galáxia.

Sou caminhar inconstante e minha condição é eternidade.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Boa Noite


Quando está escuro todos os medos se aproximam e não importa mais a idade. 

O ritual se repete todas as noites e, todas as noites, sempre que apago as luzes e sinto que a velocidade da escuridão pode ser tão rápida quanto a velocidade da luz, em algum lugar dentro de mim eu sei que devo me desesperar e esperar pelo pior. 

É à noite que a frio é mais intenso, que o escuro é mais intenso, que o medo é mais intenso. Posso não enxergar nada, mas sei que algo está ali, espreitando perto do guarda-roupa ou embaixo da cama, esperando que eu deite e adormeça para agir. Ou talvez espere só que eu me afaste do interruptor e caminhe até a cama. 

Então começo a me acostumar e meu olhos captam o mínimo de luminosidade que existe. 
E começo a perceber as sombras. E começo a perceber o movimento das sombras. E começo a perceber a proximidade das sombras. E começo a perceber que devo temer as sombras. 

O cobertor é único que pode me esconder, mas ele não camufla o cheiro do meu medo. E você sabe que todas as criaturas amaldiçoadas a viverem na escuridão podem sentir o cheiro de medo e se alimentam disso. Elas se aproximam de mim enquanto eu estou completamente coberta e respiram a poucos centímetros da minha face. E eu posso sentir o incomparável hálito frio desses seres. Eu posso senti-los se alimentando do meu medo durante toda a noite, me observando sobre o lençol. Eu não durmo, não posso me arriscar a baixar a guarda. É isso que eles querem. Querem levar-me para o lugar de onde vieram. 

Dormir é privilégio dos corajosos. Ou dos que têm um abajur. Para mim dormir é um sacrifício e eu o evitarei. 
Dormir é ficar vulnerável aos pesadelos.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Saudade


Antes eu pensei que o que eu sentia era medo. Medo de que eu esquecesse você ou você me esquecesse. Medo de que quando nos encontrássemos nada fosse do mesmo jeito, que não houvesse mais nenhuma ligação entre nós. 

Depois eu pensei que o que eu sentia era raiva. Raiva por você ter me deixado sozinha. Por ter me deixado para trás. Raiva por você preferir ficar o mais longe de mim que pudesse. 

Não estou acostumada a sentir saudade. Desde pequena todas as pessoas importantes para mim se distanciavam sem motivo aparente. Todos estavam sempre longe do meu alcance e do meu abraço, então... Eu não sei como agir. Não sei demonstrar saudade. Aliás, isso nem faz sentido para mim, afinal... Você vai voltar, não vai? Não vai? Eu não consigo encontrar nada lógico em sentir saudade. Se a pessoa se foi, ela se foi e pronto. Pessoas são livres para ir e vir a qualquer momento e é o que elas fazem. Eu sou defensora da liberdade, não seria hipocrisia da minha parte querer todos ao meu redor, perto de mim? 

Do meu ponto de vista a saudade não passa de um sentimento mimado, que foi acostumado desde sempre a ter tudo que quer a hora que bem entender e que, quando não consegue, faz birra. É isso.

Então você imagina que não foi nada fácil para mim admitir que sinto a sua falta, que sinto saudade e que quero você perto de mim de novo. Sempre e sempre. 

Não sei como acontece com as pessoas que sempre tiveram todos os sentimentos, mas eu ainda sou nova nisso. Preciso de calma, tolerância e abraços. 

Calma para o meu medo. 
Tolerância para a minha raiva.
E abraços para a minha saudade. 

domingo, 6 de janeiro de 2013

Espelho das Almas


Uma casa pequena, coberta por plantas, que cresciam como se nem notassem a construção. Debruçada sobre uma pequena janela aberta, seus ombros tremiam. Os soluços eram baixos. O vazio era profundo. A tristeza era sem tamanho, impossível de não ser notada nos olhos mais claros do mundo. O transparente dos olhos dela não mostravam o que havia atrás, mas o que havia dentro. Dentro dela. Dentro de quem olhasse diretamente para eles. 

Ela nasceu assim, com esses olhos incomuns. Olhos difíceis de se adjetivar, comparar ou descrever. Olhos cor de espelho, que viam o mostravam almas. 

Ela estava acostumada a ver tudo. Ela via tudo. Mas a única coisa que ela realmente queria ver, estava longe do alcance da sua visão. Desde que vira outros olhos, aqueles olhos, pela primeira vez agradeceu o dom da visão. Olhos pretos como a pupila de um gato, pequenos e estreitos num formato que lembrava um grão de arroz. Ela só queria ver esses olhos mais uma vez. Mas eles tinham se fechado para sempre. Ela nunca mais o veria. 

Ela se sentia incompleta e chorava a certeza de nunca mais se completar. 

Uma rajada de vento entrou pela janela. Derrubou potes e panelas das prateleiras, vasos e tigelas da mesa e bagunçou mais do que seus cabelos e sua casa. O vento zumbiu em seus ouvidos e, por um instante ela ouviu alguma coisa. Corra até o rio. Baixo como um sussurro. 

Sem pensar duas vezes ela abriu a porta e correu colina abaixo sob um céu azul com poucas nuvens. O sol brilhava mais forte lá fora e parecia estar feliz por vê-la. Chegou no rio ofegante e olhou ao redor a procura de alguma coisa. Qualquer coisa. Qualquer sinal. Nada. Desanimada abaixou os olhos e viu o seu reflexo na água. 

Ela nunca tinha visto o seu reflexo antes. Nunca tinha visto os olhos mais famosos das lendas e histórias que cercavam o seu mundo. O Espelho nunca tinha se visto. 

Primeiro viu os seus cabelos pretos, lisos e longos por nunca terem sido cortados. Depois viu a sua pele pálida e macia como talco. E depois... Ah... Depois ela ajoelhou, segurou os cabelos com uma das mãos e se apoiou em outra. Então ela olhou direta e profundamente dentro do reflexo dos seus próprios olhos na água. 

O tempo parou e ela se sentiu mergulhando dentro do rio. Sentiu a água gelada consumindo-a por todos os lados. Ainda assim podia respirar. Ela flutuava lentamente em direção à uma escuridão tão negra e hostil que não permitia que nem mesmo uma fagulha brilhasse. Não permitia que o chão fosse visto, se é que ele existia. Não permitia que a vida fluísse como o rio. A escuridão engolia a luminosidade dentro dela cada vez mais. Aos poucos sentiu a fraqueza tomando-a friamente e não tentou resistir. Aos poucos sentiu o temido abraço da morte levando-a para um lugar de onde ela nunca mais sairia. 

Milésimos de segundos antes de fechar o olhos completamente ela sentiu algo puxando-a com toda a força para cima. Sentiu um abraço morno e adorável levando para a clareza da superfície. Cada vez mais aproximando-a de lá, onde existia vida e esperança. Sentiu seus olhos encherem de lágrimas até elas escorrerem pela sua face. Escorrerem? Ela não estava em um rio. Estava no mundo das almas. No mundo onde os vivos não podem entrar e retornar. No mundo onde não existe vida. Mas ainda existe amor. 

Eu nunca vou te deixar.

Ele havia salvado ela. Havia resgatado ela da morte. Não apenas salvou sua vida: resgatou a sua alma. A trouxe de volta e a preencheu novamente.

Despertou sobre janela com o sobressalto. Olhou ao redor; estava de volta em casa. Não foi um sonho. E o vento forte confirmava. Ele ainda estava com ela. Por entre o vento.

Viva!