domingo, 6 de janeiro de 2013

Espelho das Almas


Uma casa pequena, coberta por plantas, que cresciam como se nem notassem a construção. Debruçada sobre uma pequena janela aberta, seus ombros tremiam. Os soluços eram baixos. O vazio era profundo. A tristeza era sem tamanho, impossível de não ser notada nos olhos mais claros do mundo. O transparente dos olhos dela não mostravam o que havia atrás, mas o que havia dentro. Dentro dela. Dentro de quem olhasse diretamente para eles. 

Ela nasceu assim, com esses olhos incomuns. Olhos difíceis de se adjetivar, comparar ou descrever. Olhos cor de espelho, que viam o mostravam almas. 

Ela estava acostumada a ver tudo. Ela via tudo. Mas a única coisa que ela realmente queria ver, estava longe do alcance da sua visão. Desde que vira outros olhos, aqueles olhos, pela primeira vez agradeceu o dom da visão. Olhos pretos como a pupila de um gato, pequenos e estreitos num formato que lembrava um grão de arroz. Ela só queria ver esses olhos mais uma vez. Mas eles tinham se fechado para sempre. Ela nunca mais o veria. 

Ela se sentia incompleta e chorava a certeza de nunca mais se completar. 

Uma rajada de vento entrou pela janela. Derrubou potes e panelas das prateleiras, vasos e tigelas da mesa e bagunçou mais do que seus cabelos e sua casa. O vento zumbiu em seus ouvidos e, por um instante ela ouviu alguma coisa. Corra até o rio. Baixo como um sussurro. 

Sem pensar duas vezes ela abriu a porta e correu colina abaixo sob um céu azul com poucas nuvens. O sol brilhava mais forte lá fora e parecia estar feliz por vê-la. Chegou no rio ofegante e olhou ao redor a procura de alguma coisa. Qualquer coisa. Qualquer sinal. Nada. Desanimada abaixou os olhos e viu o seu reflexo na água. 

Ela nunca tinha visto o seu reflexo antes. Nunca tinha visto os olhos mais famosos das lendas e histórias que cercavam o seu mundo. O Espelho nunca tinha se visto. 

Primeiro viu os seus cabelos pretos, lisos e longos por nunca terem sido cortados. Depois viu a sua pele pálida e macia como talco. E depois... Ah... Depois ela ajoelhou, segurou os cabelos com uma das mãos e se apoiou em outra. Então ela olhou direta e profundamente dentro do reflexo dos seus próprios olhos na água. 

O tempo parou e ela se sentiu mergulhando dentro do rio. Sentiu a água gelada consumindo-a por todos os lados. Ainda assim podia respirar. Ela flutuava lentamente em direção à uma escuridão tão negra e hostil que não permitia que nem mesmo uma fagulha brilhasse. Não permitia que o chão fosse visto, se é que ele existia. Não permitia que a vida fluísse como o rio. A escuridão engolia a luminosidade dentro dela cada vez mais. Aos poucos sentiu a fraqueza tomando-a friamente e não tentou resistir. Aos poucos sentiu o temido abraço da morte levando-a para um lugar de onde ela nunca mais sairia. 

Milésimos de segundos antes de fechar o olhos completamente ela sentiu algo puxando-a com toda a força para cima. Sentiu um abraço morno e adorável levando para a clareza da superfície. Cada vez mais aproximando-a de lá, onde existia vida e esperança. Sentiu seus olhos encherem de lágrimas até elas escorrerem pela sua face. Escorrerem? Ela não estava em um rio. Estava no mundo das almas. No mundo onde os vivos não podem entrar e retornar. No mundo onde não existe vida. Mas ainda existe amor. 

Eu nunca vou te deixar.

Ele havia salvado ela. Havia resgatado ela da morte. Não apenas salvou sua vida: resgatou a sua alma. A trouxe de volta e a preencheu novamente.

Despertou sobre janela com o sobressalto. Olhou ao redor; estava de volta em casa. Não foi um sonho. E o vento forte confirmava. Ele ainda estava com ela. Por entre o vento.

Viva!

2 comentários:

  1. Oi Vanessa, encontrei seu blog por acaso, agora que estou procurando blogs nesse estilo - de escritores amadores (como eu) caçando um espaço aos olhos do público -, e fiquei muito feliz com esse achado. Acho uma pena que gente como você, de tanto talento, não tenha um publico proporcional.

    Raphael
    www.delirandoeescrevendo.blogspot.com.br

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    1. Raphael, hoje eu definitivamente ganhei o meu dia.
      Comecei a escrever timidamente, sem qualquer esperança de reconhecimento de ninguém. Me sentia cada vez mais à vontade escrevendo e o Contagem Progressiva se tornou um tipo de extensão da minha mente. Mas você pode ter certeza de que eu não preciso do reconhecimento de um público de milhões de pessoas se eu tiver o reconhecimento verdadeiro de pessoas como você, que entendem que eu não escrevo palavras, eu escrevo sentimentos.

      Muito obrigada, me esforçarei para continuar agradando o meu pequeno e importantíssimo público!

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